domingo, 21 de fevereiro de 2010

SOBRE CORAÇÕES:

Ela trazia o coração envolto por uma casca.

De modo que nem parecia haver ali uma batida.
Ela era uma morta-viva, sorrindo para o mundo uma alegria comprada em loja.

Um dia ela topou com ele.
Ele, sim, trazia o seu coração nu, carne viva, pulsando convicto.
E foi assim que os dois corações nunca se encontraram.

Um dia a casca do coração dela se quebrou e quem ficou nua foi ela, diante do que sentia. Pegou seu próprio coração com as mãos, quente feito brasa, e o jogava para um lado e para o outro sem saber o que fazer com aquele amor que lhe queimava a pele.

Quando olhou aquela bomba vermelho-sangue, o coração dele explodiu em sorriso.

Mas o tempo passou de novo e o que ela fez crescer não foi amor: foi outra casca.
Outra dura e forte a esconder mais uma vez aquele músculo frágil, a ponto de nem se ouvirem mais as batidas.

E o coração que ele não mais vê, não mais sente.
É o dela que ganha paz de novo, como quem viveu um sonho breve...

# e acordou

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

SOBRE SER:

Por ser feita de tanto desejo ela ligou o som e se pôs a fazer curvas no ar.

Antes de tudo, é preciso entender que quando as luzes se apagam e a música a faz perder a audição, os pés não acompanham o corpo e o desejo se faz autoridade.

Por isso ela se alivia, dizendo que a culpa não é dela e sim desse desejo com cara de gente.
Ela se alivia com os outros, mas assim que a fala termina uma pessoa que mora dentro dela grita:
- Mentirosa!

É bem conflituoso.
De um lado do trilho do trem há uma menina que afirma que saliva e mãos dadas são uma coisa só e parada, na frente do caminhão esperando a vida arrancar o último sopro há outra menina com ânsia de experimentar, com sede de deitar sem roupa na neve quente.

Esta é a razão pela qual ela não quis fazer psicologia. Foi pra não ousar tentar explicar coisas deste tipo.

Talvez uma mesma pessoa seja várias tonalidades ao mesmo tempo.
Isso de querer se dizer alguma coisa só serve para textos de máquina de escrever dos tempos românticos.
Pra ela há muitas teclas que permitem apagar qualquer que seja o pingo da letra i.

Eu diria que essa menina divide a linha do tempo.
Consegue dizer eu te amo e deixar abertos os supostos cadeados.

Ela se contradiz e sabe que faz isso a todo instante. Daí a tal metamorfose que ela frisa tanto ser.

Por culpa dessa transformação desenfreada esta mesma menina sente medo de não poder ver as rugas surgirem no rosto dele. Ela sente medo de não se pertencer e como conseqüência não pertencer a ninguém.
Pra ela isto é muito grave. É muita liberdade. Tanta que não é raro vê-la buscando prisões pra guardar sentimentos passageiros.
Ela que quer ter asas, mas não consegue deixar de amar as flores plantadas na terra. E aí... beija um homem, beija uma janela, beija uma grade. Beija pra ver se a saliva prende a liberdade.
Ela quer, queria, quis, e continua querendo apenas ser. Sem ter a necessidade de encontrar a soma total.

# porque se ela apenas for, já será suficiente.